Passadas duas semanas da aprovação da PEC 45/2019 pela Câmara dos Deputados, começam a se consolidar os cenários prováveis para onde a Reforma Tributária pretendida pelo Governo Federal deve caminhar.
Primeiramente, é importante lembrar que a PEC 45/2019 é a primeira parte de um extenso pacote de projetos que em conjunto formam a Reforma Tributária almejada e teve como principal ponto a reformulação e unificação dos tributos incidentes sobre o consumo.
Havia expectativa de que a segunda etapa, que envolverá mudanças na tributação da renda, fosse enviada ao Congresso enquanto a PEC 45/2019 tramita no Senado, mas o Ministro da Fazenda, em pronunciamento ontem (18/07/2023), informou o adiamento de seu envio para o final do ano, bem como a intenção de enviar também projeto próprio e separado para atualização da tributação sobre folhas de salários.
De qualquer maneira, numa análise mais ponderada do texto final da PEC 45/2019, aprovada após algumas emendas em plenário, podemos vislumbrar avanço significativo em relação ao sistema tributário atual sobre o consumo. Considerando os objetivos declarados de simplificação e de se alcançar maiores eficiência, transparência e justiça fiscal, nos parece que houve significativo avanço com a unificação de PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS em um IVA dual e no novo Imposto Seletivo (“IS”).
Quanto ao IVA, embora seja dual, a Contribuição sobre Bens e Serviços (“CBS”), a nível federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (“IBS”), a nível subnacional (estadual/municipal), possuirão as mesmas matrizes de incidência tributária. Serão iguais os fatos geradores, as bases de cálculo, os sujeitos passivos, as hipóteses de não incidência e as imunidades.
Apesar de possuir incidência ampla, incluindo atividades econômicas que anteriormente estariam fora do âmbito tanto do ICMS como do ISS, está garantida no texto da PEC 45/2019 a não cumulatividade plena, com o direito de creditamento extenso e simplificado, inclusive em relação às regras de vedação (uso e consumo pessoal, isenção ou não incidência).
A PEC 45/2019 ainda inovou ao criar o conceito de alíquota única e prever, já no texto constitucional, os setores beneficiados com imunidade (está prevista a criação da Cesta Básica Nacional de Alimentos, com alíquota zero) e alíquota reduzida – redução de 60% em relação à única. No último caso, destacam-se os serviços de educação, saúde e transporte público coletivo, bem como as operações com medicamentos, produtos de cuidados básicos à saúde menstrual, insumos agropecuários, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal.
A alíquota de referência da CBS será fixada por resolução do Senado Federal, enquanto as alíquotas do IBS fixadas por Estados e Municípios deverão ser previstas por leis próprias, respeitadas as repartições constitucionais entre alíquota única e reduzida.
Alguns setores, entretanto, ficaram de fora das novas regras de tributação sobre consumo (tais como combustíveis e lubrificantes, sociedades cooperativas, aviação regional, dentre outros) e serão objeto de sistemáticas específicas, além da manutenção de regimes favorecidos (Zona Franca de Manaus e Simples Nacional, por exemplo).
Dentre as inovações consideradas positivas, ainda está a possibilidade de devolução da CBS e do IBS a pessoas físicas de famílias de baixa renda, respeitados os limites e regras a serem estabelecidos em lei complementar federal, na sistemática popularmente conhecida como cashback.
Enquanto seja possível observar alguns avanços na sistemática da PEC 45/2019, incluindo-se também o fim ou diminuição significativa da Guerra Fiscal entre Estados e Municípios, existem diversos pontos que merecem atenção.
A pretensão repetida e reiterada pelo Governo Federal é a manutenção da carga tributária global, com a redistribuição dos ônus aos agentes econômicos que importe em maior justiça fiscal. Contudo, diversos setores poderão sofrer aumento de carga tributária severa, em especial o setor de serviços, responsável pela grande maioria dos empregos na economia, sem se observar, nesse momento, garantias de diminuição a outros segmentos.
Além disso, a PEC 45/2019 prevê o aproveitamento dos saldos credores acumulados de ICMS ao final de 2032 por 20 (vinte) anos via compensação com o IBS, mas estes deverão ser objeto de processo especial de homologação pelos Estados, que também ficarão a cargo de regulamentar essa compensação – sistemática que lembra muito a compensação de ICMS de créditos relativos a uso e consumo e energia elétrica, prometida pela Lei Kandir em 1996 e nunca de fato implementada.
Ultrapassando o IVA dual e entrando no Imposto Seletivo (“IS”), este novo tributo incidirá sobre “produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente”. Trata-se de tributação inspirada nos chamados Sin Taxes, que nos Estados Unidos e Europa alcançam produtos como bebidas alcoólicas, cigarros, automóveis, apostas esportivas, loterias, e até chocolates e sorvetes. O IS deverá ser regulamentado por lei ordinária federal, sendo possível a fixação de suas alíquotas pelo Poder Executivo por meio de decreto.
Em relação às demais alterações, valem destaque a correção de distorções pontuais no Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (“IPVA”), com a inclusão de veículos aéreos e aquáticos na sua esfera de tributação. Quanto ao Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (“ITCMD”), houve alterações relevantes com a possibilidade de aumento das alíquotas em razão do valor da transmissão ou doação, a previsão expressa de incidência sobre heranças recebidas no exterior e alteração da competência ativa para incidência sobre bens móveis, títulos e créditos, que passa a ser do domicílio do doador ou do falecido.
Resumidamente, essas são nossas primeiras impressões sobre a primeira etapa da Reforma Tributária, parcialmente superada – ainda falta aprovação no Senado Federal. A transição do regime atual para o novo está prevista para começar somente em 2026, de modo que muitas etapas serão ainda cumpridas e muitos debates sobre a tributação sobre o consumo ainda serão enfrentados: a PEC 45/2019 deixou largo campo para ser regulamento por leis complementares e ordinárias federais, estaduais e municipais – isso sem falar na tributação sobre a renda e folhas de salários, cujo projeto sequer foi definido pelo Governo Federal.
O time tributário do Bichara e Motta Advogados está à disposição para prestar qualquer esclarecimento adicional sobre o tema.
Thiago Peluso Rossi
Sócio da Área Tributária