Em 4 de outubro de 2023, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) publicou o seu Regulamento Nacional de Agentes de Futebol (RNAF), revogando o Regulamento Nacional de Intermediários (RNI) e promovendo importantes alterações nas regras que regem as atividades dos intermediários de futebol – agora denominados, novamente, como Agentes.
Confira abaixo um resumo acerca das principais novidades trazidas pelo RNAF da CBF.
– Necessidade de obtenção da Licença FIFA (art. 7º)
Como regra geral, assim como no exterior, o exercício da atividade de agente no Brasil será privativo de pessoas físicas que obtenham licença junto à FIFA, nos termos do seu Regulamento de Agentes de Futebol (FFAR).
O art. 80, “d” do RNAF prevê, contudo, um período de transição até 30 de junho de 2024, durante o qual as pessoas físicas e jurídicas cadastradas como intermediárias, nos termos do regulamento antigo, poderão seguir atuando em âmbito nacional, desde que com base em contratos celebrados entre 16 de dezembro de 2022 e 30 de setembro de 2023, devidamente registrados no sistema de intermediários da CBF. Após este prazo, a licença da FIFA será imprescindível para a prestação de Serviços de Representação[1] em âmbito nacional.
De todo modo, é preciso verificar, na prática, o tratamento que será dado à representação de atletas por seus parentes em primeiro grau, cônjuge ou advogado, cujo licenciamento pela CBF ou FIFA é dispensado pelo art. 95, §1º da Lei Geral do Esporte (Lei 14.597/2023).
– Agência (art. 14 e 15)
Também em linha com o FFAR, ainda que a licença seja exclusiva de pessoas físicas, o agente poderá organizar as suas atividades por meio de uma agência, ou seja, uma pessoa jurídica que sirva de veículo para a condução de negócios, contratação de funcionários etc., ficando ele pessoalmente responsável por qualquer conduta da agência e/ou de seus empregados, representantes ou subcontratados que viole o FFAR e/ou o RNAF.
– Representação: Contratos e Autorrepresentação (art. 19 a 24, 31 e 67, alínea ‘a’)
Em linha com o FFAR, o RNAF reduziu o prazo máximo de vigência dos contratos de representação entre agentes e atletas ou treinadores para 2 anos, vedada a sua renovação automática. Além disso, o agente somente poderá manter um único contrato de representação por vez com o mesmo atleta ou treinador, de modo que a celebração de um contrato implicará na presunção de rescisão do anterior.
Já os contratos de representação entre agente e clube deixam de estar sujeitos a um prazo máximo. Não há, ademais, um número máximo de contratos que um agente possa celebrar com um mesmo clube, desde que cada um deles se refira a uma transação diferente.
Por fim, o RNAF ressalva o direito de o atleta (ou treinador) se autorrepresentar, reputando nulas quaisquer previsões contratuais que limitem tal direito ou penalizem quem exercê-lo.
– Dupla Representação e Conflito de Interesses (art. 26 e 48)
Ao contrário da sistemática prevista pelo RNI, que permitia a múltipla representação e comissionamento, o RNAF, em linha com o FFAR, veda a dupla ou múltipla representação, permitindo apenas que o agente represente, simultaneamente, os interesses do atleta (ou treinador) e da entidade contratante em uma mesma transação, sempre mediante consentimento prévio e por escrito de ambos os clientes. Nessa hipótese, a entidade contratante deverá pagar até 50% da comissão total acordada.
– Representação de Atletas Menores (art. 35, 36 e 47)
Em linha com o FFAR, o RNAF passa a permitir que os agentes assinem contrato de representação com atletas menores de 18 anos de idade, a partir dos 6 meses anteriores à data do 16º aniversário do atleta. Tal representação dependerá de consentimento prévio e por escrito do responsável legal e da conclusão do curso preparatório a ser fornecido online pela FIFA.
Embora essa novidade já venha sendo comemorada por alguns agentes, será preciso observar a aplicação prática e interpretação, pelos tribunais, da regra frente à nulidade dos contratos que “versem sobre o gerenciamento de carreira de atleta em formação com idade inferior a 18 (dezoito) anos”, estabelecida pelo art. 27-C, inciso VI, da Lei Pelé (Lei 9.615/1998) – que não foi revogado expressamente pela Lei Geral do Esporte (Lei 14.597/2023).
Sem prejuízo disso, o RNAF volta a permitir a cobrança de comissão por Serviços de Representação relacionados a ou prestados a atletas menores, desde que o atleta esteja firmando contrato especial de trabalho esportivo – hipótese que era vedada no RNI.
– Limites ao Comissionamento (art. 53)
Em conformidade com o FFAR, o capítulo VII do RNAF também define limites à comissão dos agentes por Serviços de Representação. Logo, em nível nacional, o limite de comissões para Serviços de Representação de agentes em favor de indivíduos ou entidades contratantes também será de 5% sobre montantes de remuneração anual fixa inferiores a 200.000,00 dólares (ou equivalente em outra moeda), aplicando-se o máximo de 3% para a parcela da remuneração que exceda tal linha de corte (10% e 6%, respectivamente, para casos de dupla representação permitida). Já para Serviços de Representação em favor de entidades cedentes, aplicar-se-á também o mesmo parâmetro definido pela FIFA: até 10% do valor de transferência.
– Pagamentos de comissões (art. 40 e 41)
Assim como o FFAR, o RNAF adota o princípio do “cliente paga”, isto é, quem contratar o agente deve, a princípio, ser responsável pelo pagamento da comissão, salvo se tal cliente for um atleta ou treinador com remuneração anual fixa inferior a 200.000,00 dólares (ou equivalente em outra moeda). Nesta hipótese, o clube contratante pode assumir a obrigação de pagar a comissão ao agente, em nome do atleta ou treinador.
– Ausência de previsão de responsabilidade solidária entre Indivíduos e Agentes (art. 58)
Uma das particularidades mais relevantes do RNI era a previsão de seu art. 26 quanto à responsabilidade solidária entre o atleta (ou treinador) e seu novo intermediário, no pagamento de eventual multa ou indenização devida a seu antigo intermediário por quebra de exclusividade. Entre os seus objetivos, tal regra visava coibir atividades predatórias de intermediários no âmbito do mercado nacional.
Ainda que proíba a abordagem ou celebração de Contrato de Representação com cliente que esteja sob exclusividade com outro agente, o RNAF não prevê expressamente a responsabilidade solidária tal qual o RNI. Mais que isso, em linha com o FFAR, o RNAF ressalva que tal vedação à abordagem ou contratação não se aplica nos últimos 2 meses de vigência de um Contrato de Representação exclusiva.
A conferir, portanto, como os tribunais interpretarão eventuais quebras de exclusividade sob a vigência do RNAF, notadamente se agentes corresponsáveis por tal ofensa seguirão sendo chamados à lide, com base na teoria do terceiro cúmplice.
– Período transitório adicional para Contratos de Representação (art. 80, alínea ‘b’)
Inovando em relação ao período transitório contratual fixado pelo FFAR, o RNAF estabelece que os Contratos de Representação celebrados entre 16 de dezembro de 2022 e 30 de setembro de 2023 e registrados no Sistema de Intermediários da CBF permanecerão válidos e eficazes, em âmbito nacional, até 30 de junho de 2024, independente da adequação de seus termos às novas regras, e desde que o Agente mantenha atualizados os seus dados cadastrais junto à CBF.
– Taxas e Cadastro na CBF
O RNAF não prevê novo cadastro direto do agente na CBF ou pagamento de taxas à entidade, sem prejuízo, contudo, de eventual regulamentação futura nesse sentido, a fim de tratar sobre tais aspectos de forma mais específica.
– Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD) (art. 70 e 76)
Conforme o art. 70 do RNAF, a CNRD segue sendo o órgão competente para apreciar quaisquer demandas de dimensão nacional envolvendo agentes e seus clientes. Além disso, consoante art. 76, a CNRD mantém a competência para julgar e impor sanções a agentes ou clientes por infrações regulamentares em nível nacional, ganhando, ainda, a atribuição de investigá-las.
– Conclusão
De uma maneira geral, vê-se que o RNAF está bastante alinhado às normas estabelecidas em nível internacional pelo FFAR. Resta, entretanto, aguardar a aplicação prática do regulamento, a fim de que se verifique a sua interação com a legislação nacional e a sua assimilação pelo mercado brasileiro.
O time de Direito Desportivo do Bichara e Motta Advogados está à disposição para prestar qualquer esclarecimento adicional acerca das novas regras da FIFA e da CBF sobre a atuação dos Agentes de Futebol.
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[1] Por “Serviços de Representação”, entende-se, resumidamente, os serviços realizados para um cliente (ou em nome dele) relacionados à atividade do futebol, com o objetivo de concluir uma Operação, ou seja, a contratação ou transferência de um atleta ou treinador entre clubes.