Por Thiago Peluso Rossi e Rafael Fraga
As recentes alterações na tributação do Imposto sobre Operações Financeiras (“IOF”), especialmente aquelas promovidas pelos Decretos Federais nos 12.466 e 12.467, de maio de 2025, reacenderam importantes debates no cenário econômico e jurídico brasileiro. Enquanto as discussões iniciais focaram nos aumentos para operações de crédito, seguro (VGBL) e câmbio tradicional, um ponto de crescente relevância para o mercado de criptoativos e para a economia digital é a potencial incidência do IOF sobre as chamadas stablecoins, particularmente aquelas pareadas ao dólar, como USDT e USDC.
As stablecoins, ou “dólar digital”, têm experimentado um crescimento significativo no Brasil, com um aumento de mais de 160% no volume de negociações no primeiro trimestre de 2025 em comparação com o mesmo período de 2024, segundo dados estimados do mercado. Esse avanço é atribuído à facilidade de investidores e empresas em posicionar recursos em moedas fortes e à agilidade nas transferências internacionais. Com a elevação da alíquota do IOF para 3,5% em diversas operações de câmbio destinadas a gastos pessoais, compra de moeda em espécie e remessas para contas no exterior, as stablecoins ganharam um impulso adicional como alternativa para reduzir custos. Os principais players entendem que o IOF não se aplicaria diretamente ao uso desses criptoativos, tornando-os mais atrativos.
Nessa perspectiva, a questão tributária central para as stablecoins, no contexto do IOF-Câmbio, reside na sua natureza jurídica. O IOF-Câmbio incide sobre operações de câmbio, cujo fato gerador é a entrega de moeda nacional ou estrangeira, ou de documento que a represente, ou sua colocação à disposição do interessado. Assim, pode-se aferir a materialidade do IOF de modo a responder à pergunta crucial que se impõe: as stablecoins são consideradas “documento que represente moeda estrangeira” para fins de incidência do IOF?
Há argumentos e riscos a serem considerados para ambas as posições.
Uma linha de raciocínio que poderia levar à incidência se baseia na interpretação de que, ao estarem pareadas a uma moeda fiduciária estrangeira e serem utilizadas para fins semelhantes aos de uma moeda (pagamentos, transferências internacionais, reserva de valor em moeda forte), as stablecoins poderiam ser enquadradas, para efeitos tributários, como representações dessa moeda. O próprio Banco Central do Brasil, em sua Consulta Pública nº 111/2024, sugeriu considerar como transação incluída no mercado de câmbio a “compra, venda, troca, transferência ou custódia de ativos virtuais denominados em moeda estrangeira”, independentemente da residência das partes. Se essa classificação prevalecer, as operações com stablecoins poderiam, em tese, ser submetidas às regras do IOF-Câmbio. Essa interpretação, portanto, abriria espaço para a cobrança do imposto.
A principal defesa contra a incidência do IOF sobre stablecoins encontra fundamento na Lei Federal nº 14.478/2022, que define o que são ativos virtuais. De acordo com o artigo 3º desta lei, ativo virtual é uma representação digital de valor negociável ou transferível eletronicamente para pagamentos ou investimento, não incluídos moeda nacional e moedas estrangeiras.
O argumento pode ser estruturado da seguinte forma:
a) A Lei Federal nº 14.478/2022 explicitamente exclui moedas nacionais e estrangeiras da definição de ativo virtual. Por coerência, isso deve abranger também documentos que as representem.
b) Stablecoins, quando qualificadas como ativos virtuais com finalidade de pagamento (conforme o caput do art. 3º da Lei Federal nº 478/2022), são consideradas ativos virtuais.
c) Portanto, stablecoins assim qualificadas não são moedas estrangeiras nem documentos que representem moedas estrangeiras.
Seguindo essa lógica, as operações envolvendo stablecoins que se enquadram na definição de ativo virtual não configuram operações de câmbio na acepção exigida para a incidência do IOF-Câmbio. Consequentemente, não deveria incidir IOF-Câmbio sobre a aquisição, alienação ou utilização dessas stablecoins. A compra de stablecoins com reais em corretoras nacionais, por exemplo, não é considerada câmbio regulado e, por essa razão, não sofre incidência direta de IOF.
É imprescindível fazer a distinção entre diferentes tipos de stablecoins e suas finalidades. O argumento acima se aplica àquelas qualificadas como ativos virtuais com finalidade de pagamento ou investimento, conforme disciplinado pela Lei Federal nº 14.478/2022. Uma stablecoin que ofereça rendimentos, por exemplo, pode ser enquadrada como valor mobiliário, com potencial incidência de IOF-Valores Mobiliários. O debate sobre o IOF-Câmbio sobre stablecoins exige, primeiramente, a correta classificação jurídica do ativo.
Com efeito, no contexto do recente aumento do IOF para operações de câmbio tradicional, torna o argumento da não-incidência para stablecoins ainda mais relevante, pois se apresentam como uma alternativa de menor custo para transferências e pagamentos internacionais e para proteção cambial. A agilidade, custos operacionais reduzidos e a disponibilidade 24/7 das stablecoins contrastam com a burocracia e os prazos do sistema tradicional, agora mais onerado pelo IOF.
Apesar do argumento pela não-incidência com base na Lei Federal nº 14.478/2022, a indefinição regulatória do Banco Central sobre a classificação das stablecoins no mercado de câmbio gera insegurança jurídica. O resultado da Consulta Pública BACEN nº 111/2024 e a forma como a Receita Federal do Brasil interpretará a natureza jurídica das stablecoinsdefinirão, em última instância, se o IOF-Câmbio será aplicado. No cenário atual, no entanto, a interpretação que as qualifica como ativos virtuais não sujeitos ao IOF-Câmbio é um fator decisivo para o aumento de sua adoção.
Em breves palavras, embora o risco de uma interpretação futura divergente exista, o arcabouço legal atual, em especial a citada Lei Federal nº 14.478/2022, oferece sólidos argumentos para sustentar a não-incidência do IOF-Câmbio sobre stablecoins qualificadas como ativos virtuais. Nesse cenário, convém acompanhar de perto os próximos passos regulatórios do Banco Central e as manifestações da Receita Federal do Brasil, possibilitando-se uma mais adequada avaliação de risco para os investidores e as empresas que utilizam ou pretendem utilizar stablecoins como uma alternativa eficiente e de menor custo frente ao aumento do IOF nas operações tradicionais.
A equipe de Direito Tributário do Bichara e Motta Advogados está à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais sobre o tema.
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