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M&As no Setor de Apostas: Tendência Estrangeira que chega ao Brasil com a Regulamentação

 

Udo Seckelmann

Raphael Cvaigman

Pedro Heitor

 

A regulamentação das apostas de quota fixa no Brasil redesenhou profundamente as dinâmicas competitivas do setor, trazendo desafios e oportunidades. Diversos operadores passaram a enfrentar obstáculos para atender aos requisitos regulatórios, iniciando um ciclo de consolidação de mercado, no qual um número restrito de agentes — majoritariamente aqueles dotados de maior robustez financeira, capacidade técnica e inserção estratégica no tecido social — tende a concentrar parcela significativa do valor, da visibilidade e dos recursos disponíveis.

Essa dinâmica, embora incipiente no Brasil, reproduz padrões já consolidados em jurisdições estrangeiras. A experiência internacional revela que a estrutura regulatória, ao mesmo tempo em que confere maior previsibilidade jurídica ao setor — aspecto essencial para atrair investimentos de empresas consolidadas e fundos de investimento —, também impõe custos elevados de conformidade que reduzem o número de participantes aptos a participar deste mercado. Assim, o aparato regulatório atua como catalisador de ciclos de fusões e aquisições (M&A), promovendo uma redistribuição do poder econômico em direção aos players com melhor capacidade financeira, operacional e organizacional.

Nos Estados Unidos, esse fenômeno de concentração atingiu seu ápice com os quatro principais operadores — Fanduel, Draftkings, BetMGM e Caesars — detendo conjuntamente cerca de 85% do market share do país. Um retrato do modo como a regulação pode moldar não apenas o acesso ao mercado, mas também as estratégias competitivas e a arquitetura econômica do setor.[1]

No Brasil, começa a se delinear um processo análogo. A aquisição da NSX Enterprise NV pela Flutter Entertainment plc simbolizou a inauguração desse ciclo. A operação teve por finalidade estratégica consolidar a presença da Flutter no mercado brasileiro por meio de uma integração vertical — que busca o controle das diferentes etapas da cadeia de valor — aliada a uma integração horizontal, voltada à ampliação de sua atuação multimarcas. Tal estratégia visa otimizar sinergias operacionais, explorar novas frentes de crescimento e reforçar o posicionamento competitivo da empresa, em convergência com as tendências observadas em mercados mais maduros.

Compreender o potencial transformador dessas operações exige uma análise atenta do mercado endereçável e dos padrões emergentes em sua configuração. Até o momento, 80 operadores foram autorizados pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (SPA). Desse total, 78 outorgas foram efetivamente concedidas administrativamente, e 2 por determinação judicial, abrangendo a exploração de 177 marcas comerciais — número que traduz a dimensão atual do mercado.

Entre os principais fatores que impulsionam esse movimento, destacam-se (i) a exigência indispensável de pagamento da outorga de autorização no montante de R$ 30 milhões, sob pena de arquivamento definitivo do processo de aplicação, nos termos do art. 14, § 2º, da Portaria SPA/MF nº 827/2024; e (ii) o aumento da carga tributária. Diante disso, muitos operadores, por não disporem de fôlego financeiro suficiente e próprio para arcar com tais valores, vêm recorrendo a modelos alternativos de estruturação, como operações de fusão, aquisição ou o licenciamento de direitos de propriedade intelectual para a exploração de sua marca sob a outorga de autorização concedida a outro operador.

Não se pode perder de vista, contudo, que eventual alteração do controle societário de um operador autorizado está subordinada à revisão por parte da SPA. Nos termos do art. 6º da Portaria SPA/MF nº 827/2024, é facultada às partes a realização de consulta prévia com o intuito de antecipar o posicionamento da autoridade reguladora quanto à operação pretendida. Em ambos os casos — seja na hipótese de alteração do controle ou na consulta antecipada — a SPA dispõe de até 150 dias para concluir sua análise, sendo o respectivo parecer vinculante para a consumação da transação. A aprovação regulatória, portanto, assume a natureza de condição precedente à conclusão do negócio.

Trata-se, nessa linha, de uma exigência que, embora semelhante àquelas impostas por outras autoridades — como, por exemplo, a autorização do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em transações com repercussões concorrenciais relevantes —, assume contornos específicos diante da centralidade da autorização de operação no modelo de negócios das empresas do setor. Nessas hipóteses, a transferência de controle não se restringe a um mero ato societário interno, mas impacta diretamente a titularidade e a validade do direito de exploração da atividade regulada.

Há, todavia, espaço para soluções jurídicas criativas que permitam maior flexibilidade nas estratégias de M&A. Precedentes administrativos e experiências já compartilhadas junto à SPA indicam a possibilidade de arranjos estruturais que viabilizam, por exemplo, a exploração de múltiplas marcas sob uma única outorga, pertencentes a titulares distintos. A constituição de sociedades em conta de participação (SCPs) é um dos instrumentos que podem ser empregados com esse fim, evitando, inclusive, a necessidade de revisão formal da licença previamente concedida. Tais mecanismos revelam-se especialmente úteis em cenários nos quais se busca acelerar a entrada de novos players no mercado por meio do compartilhamento estratégico de estruturas já consolidadas.

Em síntese, a experiência internacional demonstra que as exigências regulamentares tendem a induzir processos de consolidação no setor de apostas, e o caso brasileiro se revela como uma manifestação precoce dessa tendência global. A conjugação entre dificuldades econômicas relevantes e condicionantes regulatórias projeta, para os próximos anos, a intensificação de operações de M&A — indicando o início de um amplo e transformador ciclo de reorganização setorial.

A equipe do Bichara e Motta Advogados está acompanhando de perto o desenvolvimento da regulamentação de apostas no Brasil e prestando assessoria jurídica a diversos players do mercado. Mais informações em www.bicharaemotta.com.br.

[1] https://bnldata.com.br/setor-de-jogos-e-apostas-no-brasil-deve-ser-alvo-de-tsunami-de-consolidacoes-e-ma/