Udo Seckelmann[i] e Pedro Heitor[ii]
Muitos torcedores, quando seu clube de coração está performando abaixo do esperado ou é eliminado de alguma competição relevante, sonham em ter a capacidade de influenciar nos poderes de decisão daquela gestão, seja para bater o martelo na contratação de atletas, criar ideias de marketing ou até mesmo demitir aqueles que não estão cumprindo bem o seu papel.
No entanto, a participação dos torcedores nas decisões cruciais de um clube sempre foi limitada. O mais próximo disso tem sido adquirir ações de clubes como a Juventus, associar-se a programas de sócios torcedores ou comprar Fan Tokens. Contudo, essas alternativas não concedem poder de interferência e gestão no modelo de negócio, incluindo contratações, alocação de capital e tesouraria.
Com os adventos da globalização da Web3, novos modelos de negócio estão emergindo, muito por conta da natureza descentralizada de propriedade compartilhada, transparência e autonomia proporcionados pela tecnologia blockchain. Diante desse cenário, muitos projetos se baseiam em Organizações Autônomas Descentralizadas (DAOs). “Descentralizadas” se refere à distribuição de autoridade, recursos e poder de decisão entre diversos indivíduos ou organizações, contrastando com sistemas centralizados, onde o controle é exercido por uma entidade ou pequeno grupo. “Autônomas” denota uma governança baseada em smart contracts, programas de código aberto, autônomos, autoexecutáveis e imutáveis, resultando em uma entidade auto governável e resistente a influências ou controle externo. “Organizações” consistem em pessoas unidas votando democraticamente para atingir objetivos compartilhados no sistema.
Nesse sentido, seriam as DAOs alternativas viáveis ao modelo tradicional de Club Ownership?
As DAOs viabilizam modelos de negócio “owned by community”, autofinanciados pela emissão de tokens de governança. Os detentores desses tokens decidem o rumo dos negócios através de um sistema democrático baseado em smart contracts, refletindo a natureza descentralizada da Web3, bem como democratização da geração de valor entre os seus participantes. Todavia, tal descentralização e autonomia trazem consigo implicações estruturais, regulatórias e jurídicas na indústria do esporte.
Atualmente, muitas DAOs enfrentam problemas de organização, controle e comprometimento, efeitos gerados pelo excesso de conflitos de interesses e, obviamente, pelo seu caráter embrionário. Isso ocorre, principalmente, devido à falta de experiência necessária para gerir um empreendimento e a complexidade de tomar decisões rápidas com eficiência em um ambiente 100% democrático. Por exemplo, a janela de transferências no futebol exige rapidez nas estratégias e decisões a serem tomadas. Seria caótico se os detentores de tokens precisassem votar em cada decisão relacionada às contratações.
Nessa perspectiva, observa-se que o modelo de “decentralization and autonomy is all that matters” enfrenta desafios intrínsecos ao lidar com a complexidade e evolução constante da indústria do esporte. No âmbito jurídico, a maioria das jurisdições não reconhecem DAOs como entidades jurídicas, gerando incertezas fiscais, dificuldades na celebração de contratos, resolução de disputas judiciais e ausência dos benefícios da responsabilidade limitada aos membros.
Em 2022, a DAO “BuyTheBroncos” surgiu com o propósito de arrecadar 4 (quatro) bilhões de dólares para fins de executar exatamente o que seu nome sugere. Nesse contexto, os desafios regulatórios na aquisição de um clube esportivo via DAO representam as próximas barreiras a serem superadas.
Ao considerarmos os quatro principais esportes, o modelo tradicional de “Club Ownership” se baseia em entidades jurídicas compostas por equipes que possuem o direito a voto na admissão de novos membros em sua estrutura societária. No caso específico da NFL, o comissário detém um poder considerável e atua como um filtro em relação aos potenciais compradores que podem ser apresentados aos proprietários existentes para aprovação. Para que uma venda de franquia da NFL seja aprovada, a transação deve obter pelo menos 3/4 dos votos dos proprietários existentes. Adicionalmente, a NFL exige que o principal proprietário da franquia detenha uma participação mínima de 30% na equipe e que o número total de sócios não ultrapasse 24 pessoas.
Sendo assim, quais soluções podem ser desenvolvidas para que haja a implementação das DAOs no esporte?
Conforme analisado previamente, existem significativas implicações para as DAOs que adotam o princípio de “decentralization and autonomy is all that matters” visando prosperar no âmbito esportivo. Para superar esses obstáculos e obter sucesso na gestão de um clube, as DAOs devem considerar uma abordagem híbrida de governança, que delegue parte do poder decisório a um conselho eleito, preservando simultaneamente as decisões da comunidade.
No modelo híbrido, a DAO é respaldada por uma ou mais estruturas jurídicas e atribui parte de sua autoridade de governança a um conselho eleito especializado. Este conselho seguirá a constituição elaborada pela própria DAO, a qual deve estar em conformidade com as leis e regulamentações esportivas aplicáveis. A constituição estabelecerá todas as normas do clube e de seu conselho eleito, incluindo, por exemplo: os poderes concedidos ao conselho, as circunstâncias nas quais o conselho poderá ser dissolvido, a divisão de lucros, entre outros aspectos. Há também a possibilidade de as DAOs no esporte se estabelecerem em jurisdições onde sejam reconhecidas, como nos estados de Vermont, Wyoming e Tennessee, nos Estados Unidos. Nestes locais, as DAOs podem optar por se registrar como um tipo de LLC, usufruindo dos benefícios de um veículo corporativo tradicional.
É evidente, portanto, que as DAOs enfrentam um longo caminho para gozar dos benefícios de uma estrutura jurídica regulamentada e serem reconhecidas como um novo modelo de “Club Ownership” na indústria do esporte. No entanto, não podemos ignorar que, num futuro próximo, essas entidades estarão presentes no nosso cotidiano e possivelmente revolucionarão os modelos de negócio dos clubes, integrando o físico ao digital.
Advogado responsável pelo departamento de Gambling & Crypto do escritório Bichara e Motta Advogados. Graduado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Mestre (LLM) em Direito Desportivo Internacional pelo Instituto de Derecho y Economía (ISDE) em Madri, Espanha. Membro da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD) – Comissão Jovem. Vice-Presidente da Comissão de Esporte e Entretenimento da OAB/RJ – subseção Barra da Tijuca. Membro da Comissão Especial de Direito dos Jogos Esportivos, Lotéricos e Entretenimento da OAB/RJ. E-mail: udo.seckelmann@bicharaemotta.com.br
Estagiário do departamento de Gambling & Crypto do escritório Bichara e Motta Advogados. Graduando na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Entusiasta do mercado de criptoativos e fundador da comunidade jurídica PedroHeitor.ETH. E-mail: pedro.heitor@bicharaemotta.com.br