CBF Institui Sistema de Fair Play Financeiro para o Futebol Brasileiro

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) publicou o Regulamento do Sistema de Sustentabilidade Financeira (SSF), que introduz um novo modelo fair play financeiro para o futebol nacional, válido já para a temporada de 2026. O material estabelece normas de regulação econômico-financeira aos clubes das Séries A, B e C do Campeonato Brasileiro profissional masculino.

O novo sistema de fair play financeiro tem como objetivo central fortalecer a estrutura administrativa dos clubes, incentivando práticas de gestão responsáveis para maior transparência e sustentabilidade. Por meio do SSF, a CBF espera que as equipes operem dentro de suas realidades financeiras, desestimulando o endividamento excessivo, sem prejuízo de investimentos que contribuam para o futuro a médio e longo prazo do futebol brasileiro.

Para garantir a aplicação das normas, foi criada a Agência Nacional de Regulação e Sustentabilidade do Futebol (ANRESF), órgão autônomo responsável por monitorar indicadores, avaliar conformidade, negociar acordos de ajustamento de conduta ou de reestruturação, bem como aplicar sanções em caso de descumprimentos. Entre as penalidades previstas estão advertências, multas, retenção de receitas recebíveis em razão de competições CBF, proibição de registro de atletas, perda de pontos na temporada seguinte e, em casos graves, exclusão de competição e/ou rebaixamento. O Regulamento também prevê responsabilização de dirigentes, nos termos das competências do órgão. As decisões da ANRESF serão finais, não cabendo recurso perante qualquer outro órgão ou tribunal.

O Regulamento tem quatro eixos fundamentais: controle de solvência, sustentabilidade e equilíbrio operacional, limitação de custos do elenco profissional e monitoramento do endividamento de curto prazo.

No âmbito da solvência, os clubes deverão demonstrar, em três janelas anuais (31 de março, 31 de julho e 30 de novembro), que não possuem pendências financeiras não liquidadas com outros clubes, atletas, treinadores, demais funcionários ou autoridades públicas, vencidas até um mês antes da data de cada janela.

Em caso de inadimplência, o credor poderá notificar a ANRESF, que intimará o clube devedor a apresentar o respectivo comprovante de quitação ou demonstração de inexigibilidade do débito, sob pena de bloqueio de registro novos atletas até o pagamento ou ajuste de acordo para a resolução da dívida.

Por outro lado, a ANRESF poderá suspender a aplicação de sanções caso o clube comprove que o valor é objeto de litígio perante o Poder Judiciário, tribunal arbitral ou órgão jurisdicional do futebol (ex.: CNRD), desde que a defesa do clube não seja meramente protelatória, e que não exista decisão, ainda que liminar, determinando o pagamento imediato da quantia.

Frisa-se ainda que, para obrigações assumidas antes de 01/01/2026, há um período de transição até 30/11/2026, durante o qual o descumprimento pode gerar advertência, mas não afasta a obrigação de regularizar a situação na verificação seguinte. Já atrasos referentes a obrigações assumidas a partir de 01/01/2026 sujeitam o clube a quaisquer das sanções previstas no Regulamento.

O pilar de sustentabilidade visa garantir que os clubes operem em equilíbrio financeiro, dentro de sua própria capacidade de gerar receitas, através do cálculo da diferença entre receitas relevantes e despesas relevantes, apuradas em relação ao exercício social referente ao ano anterior. O clube deverá apresentar superávit nesse resultado, ou cobrir déficit através de contribuições patrimoniais. Caso contrário, o clube entrará em regime de monitoramento, no qual serão considerados ciclos trienais (três últimos exercícios). Neste regime, clubes da Série A poderão registrar déficit limitado a R$ 30 milhões, ou 2,5% de suas receitas relevantes agregadas no período, o que for maior (R$ 10 milhões para clubes da Série B). Caso o déficit seja superior a esse limite, o valor total do déficit deve ser coberto por contribuições patrimoniais. A implementação plena dessas regras está prevista para 2028, com período de transição prévio.

Tal permissão do clube se valer de contribuições patrimoniais – ou seja, aporte de capital – é o grande diferencial do sistema brasileiro para demais modelos ao redor do mundo. O objetivo é justamente atrair investidores e financiamento externo.

Além disso, destaca-se que investimentos em categorias de base, futebol feminino, infraestrutura, benfeitorias, projetos sociais e esportes olímpicos e paralímpicos não serão considerados no cálculo de despesas relevantes, preservando incentivos ao desenvolvimento do esporte.

Em relação ao controle de custos com o elenco, o Regulamento determina que, a partir de 2028, clubes da Série A devem limitar despesas com remunerações de atletas e treinadores, amortizações de valores de transferência, custos de registro e pagamentos a agentes a até 70% das receitas operacionais, resultado líquido médio de transferências e, novamente em caráter inovador, contribuições patrimoniais (80% para clubes da Série B). Percentuais superiores serão admitidos durante o período de transição, permitindo ajustes graduais nas estruturas de custos (90% para 2026 e 80% para 2027). A finalidade é garantir que os investimentos como salários, direitos de imagem, transferências e comissões sejam mantidos em uma proporção sustentável em relação à capacidade do clube de gerar receitas.

O Regulamento também disciplina o endividamento de curto prazo, abrangendo obrigações com vencimento em até um ano. A regra final, prevista para 2029, fixa o limite para essas dívidas em até 45% das receitas relevantes do clube, com índices mais elevados permitidos durante a fase de adaptação (70% para 2026, 60% para 2027 e 50% para 2028). A medida visa reduzir riscos imediatos de liquidez e promover maior estabilidade financeira.

Além desses critérios, o sistema exige a apresentação anual de demonstrações financeiras auditadas, reforçando a obrigação já posta pela Lei Geral do Esporte, e o envio prévio de orçamentos, preparado com base em premissas realistas, permitindo a orientação da ANRESF em caso de identificação de riscos.

O Regulamento introduz ainda regras importantes sobre efeitos da recuperação judicial e multipropriedade de clubes (multi-club ownership, ou “MCOs”).

A fim de evitar vantagem competitiva indevida ou agravamento da situação do clube, as agremiações que iniciarem processo de recuperação judicial, recuperação extrajudicial ou plano coletivo na CNRD deverão respeitar as seguintes restrições:

  • Despesas mensais com atletas e treinadores profissionais não poderão exceder a média apurada nos seis meses anteriores (desconsiderando custos de rescisão).
  • Em cada janela de transferências, o valor total líquido gasto pelo clube com taxas de transferência de atletas e comissões de intermediação deverá ser inferior ou igual ao valor total líquido arrecadado com as transferências de seus atletas a outros clubes no mesmo período.
  • O clube deverá negociar um Acordo de Reestruturação com a ANRESF, a fim de ajustar exigências adicionais e definir por quanto tempo as travas acima mencionadas permanecerão em vigor.

Em linha com normativas já adotadas na Europa, as regras sobre MCOs proíbem que uma pessoa (física ou jurídica) exerça controle ou influência significativa sobre mais de um clube se, na mesma temporada, esses clubes forem participantes ou elegíveis para disputar a mesma competição organizada pela CBF, ou se estiverem em divisões com acesso e rebaixamento direto entre si. Para remediar desconformidades, a ANRESF determinará a alienação de participações, constituição de blind trust ou outra medida de desvinculação efetiva, que deve ser concluída até trinta dias antes do início da competição. Antes disso, os clubes do mesmo grupo sofrerão limitações, como proibição de transferência de atletas entre si, restrição de compartilhamento de serviços e informações sensíveis ou estratégicas, e impedimento à concessão de direitos de preferência ou cláusulas anticompetitivas.

Por fim, ressalta-se que, para suavizar sua eventual entrada no SSF, clubes da Séries C deverão observar o Sistema de Monitoramento Simplificado (SMS), devendo, a partir de 2027, comprovar que não possuem pagamentos em atraso com outros clubes, funcionários e autoridades públicas, bem como apresentar corretamente suas demonstrações financeiras.

A adoção do Sistema de Sustentabilidade Financeira busca uma modernização regulatória do futebol brasileiro, com a adoção de práticas consolidadas internacionalmente em conjunto com medidas inovadoras, visando maior previsibilidade, transparência e segurança para clubes, atletas, treinadores, investidores e demais agentes do setor.

A equipe de Direito Desportivo do Bichara e Motta Advogados está à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais sobre o tema.