REGULAMENTAÇÃO DAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS DE ATIVOS VIRTUAIS: ENTENDENDO O PERÍODO DE ADEQUAÇÃO

Raphael Cvaigman

Pedro Heitor de Araújo Mendes

A regulamentação do mercado de prestação de serviços de ativos virtuais, introduzida pelas Resoluções BCB nº 519, 520 e 521, de 2025, altera de modo profundo a forma como o setor se organiza e opera no país. As prestadoras de serviços de ativos virtuais (“PSAVs”), que até o momento atuam sem supervisão regulatória específica, passam a se submeter a um regime marcado por padrões de compliance elevados, com diversas semelhanças às exigências historicamente aplicáveis às instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional.

Diante desse novo paradigma, o período pré-regulamentação se torna decisivo para o adequado planejamento financeiro e operacional dessas empresas. Isso porque, a regulamentação entrará em vigor em 2 de fevereiro de 2026, data a partir da qual se inicia o prazo improrrogável de 270 dias para que as PSAVs em atividade no mercado protocolizem, perante o Banco Central, seus pedidos de autorização, encerrando-se este prazo em 30 de outubro de 2026.

Conforme se extrai do art. 88, § 7º, da Resolução BCB nº 520/2025, o cumprimento tempestivo desse prazo é condição de sobrevivência regulatória para as empresas em atuação, uma vez que a ausência do pedido implica a obrigação de cessar atividades em até 30 dias após o fim do prazo. Por outro lado, o protocolo tempestivo do pedido assegura a continuidade das operações até a decisão preliminar do órgão regulador a respeito do pedido de autorização.

É dentro desse contexto que se insere o processo de autorização, estruturado em duas fases distintas e complementares, sendo a primeira delas (Fase 1) justamente o denominado “período de adequação”, no qual o Banco Central verificará: (i) a comprovação de que a sociedade já se encontrava em atividade antes da entrada em vigor do regime regulatório; (ii) a idoneidade dos controladores e detentores de participação qualificada; (iii) o atendimento aos requisitos mínimos de capital, nos termos da Resolução Conjunta BCB nº 14/2025; e (iv) a observância às normas relativas ao gerenciamento de riscos, segurança cibernética, PLD/FT, bem como às regras contábeis e de auditoria aplicáveis, conforme dispõe o art. 88, II, da Resolução BCB nº 520/2025.

Nesse sentido, o período de adequação corresponde ao intervalo compreendido entre a submissão formal do pedido de autorização, acompanhada da documentação comprobatória exigida pela Fase 1 e a manifestação do Banco Central acerca do efetivo cumprimento desses requisitos iniciais.

Para além disso, o art. 88, III, da Resolução BCB nº 520/2025 estabelece que, durante todo o período de adequação, a PSAV deverá encaminhar periodicamente ao Banco Central um conjunto de informações essenciais para o monitoramento de suas atividades. Esse envio será realizado em frequências distintas, conforme o tipo de dado exigido, e compreende, entre outros:

  1. Informações cadastrais de clientes e usuários, a serem reportadas ao Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional;
  2. Dados referentes à prestação de serviços de custódia, incluindo:
    1. o total de ativos virtuais custodiados,
    2. as quantidades e valores mantidos em nome dos usuários,
    3. e os ativos destinados a operações de staking;
  3. Outras informações ou documentos que o regulador venha a solicitar, sempre que necessário para fins de supervisão.

Trata-se, portanto, de um regime informacional contínuo, que exige das PSAVs a capacidade de organizar, registrar e transmitir dados de forma precisa, tempestiva e verificável, desde o protocolo do pedido de autorização até a conclusão da Fase 1.

Já na Fase 2, o Banco Central passará a avaliar o cumprimento integral dos demais requisitos previstos no art. 2º da Resolução BCB nº 519/2025, quais sejam: (i) a capacidade econômico-financeira dos controladores, (ii) a origem lícita dos recursos; (iii) a viabilidade econômico-financeira do empreendimento; (iv) a infraestrutura de tecnologia da informação; (v) a estrutura de governança corporativa; (vi) a capacitação técnica e expertise da administração; e (vi) a informação do endereço das instalações físicas da sede. Por se tratar da etapa que sucede o período de adequação, a Fase 2 exige que a PSAV já observe plenamente todas as obrigações previstas na regulamentação.

Vale destacar que há uma expectativa quanto à definição, pelo Banco Central, das formas específicas de comprovação de diversos desses requisitos — como, por exemplo, a demonstração da capacidade técnica dos administradores. Entende-se que tais critérios poderiam ser detalhados em norma complementar, que deverá esclarecer exatamente quais são os documentos comprobatórios exigidos no âmbito do processo de autorização.

Esse processo, embora gradual, representa uma mudança estrutural no modus operandi do setor de ativos virtuais, razão pela qual as PSAVs que iniciarem desde já a organização documental, a revisão de processos internos e a adaptação de suas estruturas de governança tendem a navegar por esse período com maior segurança e previsibilidade, reduzindo fricções regulatórias e fortalecendo o posicionamento de sua marca no território nacional.

Bichara e Motta Advogados permanece atento, monitorando constantemente os avanços legislativos e regulatórios relativos aos criptoativos, tanto no Brasil quanto no cenário internacional, assegurando aos nossos clientes e parceiros o mais elevado padrão de excelência jurídica e estratégica nesse campo em constante evolução. Mais informações em www.bicharaemotta.com.br.