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Em reação ao Caso Diarra, FIFA altera regras fundamentais sobre contratos e transferências de atletas

Em outubro de 2024, a Corte Europeia de Justiça proferiu importante decisão no procedimento C-650/22, conhecido como “Caso Diarra”. De forma incidental, no curso de um processo judicial ainda em andamento, concluiu que a regulamentação da FIFA infringe regras de concorrência e livre movimentação no território europeu, sobretudo ao determinar a solidariedade entre atleta e clube contratante no pagamento de indenização ao clube anterior por quebra de contrato, em montante imprevisível e eventualmente sob sanções e restrições de registro pelo novo clube.

Em resposta, em 23 de dezembro de 2024, a FIFA divulgou um pacote de alterações ao seu Regulamento sobre o Status e a Transferência de Jogadores (“FIFA RSTP”), aplicáveis a partir de 1º de janeiro de 2025. As medidas buscam endereçar as críticas formuladas pela Corte Europeia, cobrindo tópicos como indenização devida ao clube anterior, responsabilidade solidária, indução à quebra contratual e, finalmente, um novo procedimento de emissão dos Certificados de Transferência Internacional (“ITCs”) pelas Associações Nacionais.

Confira abaixo um resumo das novas regras, conforme Circular FIFA 1917/2024.

 

  • A noção de “justa causa”:

Primeiramente, a FIFA esclareceu que o princípio da proteção à estabilidade contratual continua em vigor, assim como conceitos como “período protegido” e sanções a clubes e atletas por quebras contratuais sem justa causa. Além disso, clubes e atletas seguem livres para estipular multas contratuais por rescisões imotivadas.

Por outro lado, a nova versão do art. 14.1 do FIFA RSTP traz um conceito de justa causa, alinhado à jurisprudência do Tribunal do Futebol da entidade. Assim, entende-se que há “justa causa” para a rescisão de um contrato entre um clube e um jogador (ou treinador) quando não se pode mais esperar, razoavelmente e de boa fé, que uma parte continue a relação contratual. Essa aferição deve ser feita caso-a-caso.

  • Cálculo da indenização por quebra de contrato:

A indenização a pagar em caso de rescisão imotivada de contratos de trabalho segue prevista no artigo 17 do FIFA RSTP, mas não mais contendo os critérios que foram alvo de críticas no caso Diarra, como a especificidade do esporte, a remuneração devida ao atleta no atual e no próximo contrato, e os valores gastos pelo clube por sua contratação.

A ideia é que agora o cálculo da indenização seja mais objetivo e transparente, ao privilegiar o chamado princípio do “interesse positivo”. Assim, a parte que sofreu o dano tem direito a indenização a fim de restabelecer a situação em que se encontraria se a violação contratual não tivesse ocorrido. No entanto, deve suportar o ónus da prova referente ao dano sofrido.

Neste tema, as novas regras definem que a solidariedade entre atleta e novo clube no pagamento da indenização ao clube anterior não se dá mais de forma automática, mas somente quando restar comprovado que o novo clube induziu a quebra contratual.

De forma similar, a sanção esportiva ao clube que assina com atleta que rescindiu, sem justa causa, contrato anterior dentro do período protegido passará a depender de prova de que tal clube induziu a quebra contratual, não havendo mais a presunção relativa típica da regulamentação anterior.

Ademais, os jurisdicionados do Tribunal do Futebol devem colaborar com os pedidos de esclarecimento de fatos, principalmente aqueles relevantes para a apuração da indenização e responsabilidade pelo pagamento, sob pena de ser considerar o fato como contrário aos interesses da parte que não cumpriu com este dever de colaboração.

Por fim, a FIFA esclarece que, a partir de 1º de janeiro, estas disposições se aplicam a quaisquer processos pendentes perante o Tribunal de Futebol, tendo em devida consideração o direito de cada parte a ser ouvida sobre o impacto das novas regras sobre o mérito da demanda.

  • Procedimento de Transferência Internacional de Atletas e ITCs:

As novas regras deixam claro que a existência de uma disputa contratual entre jogador e seu antigo clube jamais pode ser usada para bloquear a transferência internacional do jogador para o seu próximo empregador.

Além disso, destacam-se as seguintes novidades no procedimento de transferência conduzido pelas Associações Nacionais:

  1. A Associação anterior do atleta terá 72 horas (e não mais 7 dias) para entregar o ITC à nova Associação, não havendo mais, via de regra, possibilidade de rejeição. Caso o prazo não seja respeitado, a nova Associação poderá automaticamente registrar o jogador no novo clube.
  2. Em circunstâncias excepcionais, como aquela em que a solicitação do ITC é feita sem o conhecimento de um jogador, de forma abusiva em relação a ele, ou se houver um erro relacionado à solicitação do ITC, a antiga ou a nova Associação, ou o próprio atleta, podem solicitar a intervenção da FIFA via e-mail para regulatory@fifa.org.
  3. De qualquer forma, a emissão do ITC não prejudica eventual disputa contratual entre o jogador, o ex-clube e/ou o novo clube. Em outras palavras, mesmo que o atleta seja transferido, permanece protegido o direito de um clube apresentar uma reclamação contra o jogador e/ou o outro clube perante o Tribunal do Futebol da FIFA.

A equipe de direito desportivo do Bichara e Motta Advogados está à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos adicionais sobre o tema.