CVM LANÇA CONSULTA PÚBLICA PARA ATUALIZAR A RESOLUÇÃO Nº 88/2022

Por Pedro Heitor e Raphael Cvaigman

Ontem, 24 de setembro, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deu um passo importante em sua missão de democratização do acesso ao mercado de capitais, mediante a submissão à consulta pública da proposta de reforma integral da Resolução CVM nº 88/2022 (“RCVM nº 88”), que disciplina as ofertas públicas de valores mobiliários por empresas de pequeno porte realizada com dispensa de registro por meio de plataformas eletrônicas de investimento participativo (crowdfunding).

A iniciativa evidencia o esforço da autarquia em harmonizar o regime regulatório às transformações recentes do mercado, impulsionadas pelo uso crescente da tokenização como infraestrutura para captação de recursos e gestão de liquidez, bem como pela expansão das operações de securitização, com vistas a fortalecer o espírito inovador da RCVM nº 88.

  1. Princípios da Reforma

A proposta apresentada — composta pela minuta principal (“Minuta A”) e pela “Minuta B”, com ajustes complementares à Minuta A — busca atualizar o regime regulatório a partir de três premissas fundamentais:

  • Categorização dos emissores –atribuindo um regime jurídico específico para cada um dos novos tipos de agentes emissores admitidos no rito simplificado de oferta pública da RCVM nº 88, i.e., sociedades empresárias não registradas, securitizadoras, cooperativas agropecuárias e produtores rurais pessoas naturais;
  • Integração sistêmica – permitindo que o crowdfunding dialogue com os canais tradicionais de distribuição de valores mobiliários, por meio de mecanismos de distribuição por conta e ordem, favorecendo liquidez e escalabilidade;
  • Compatibilização com a realidade fática do mercado – buscando, ainda que de forma indireta, compatibilizar a regulamentação, originalmente confeccionada sobre o viés do setor de capital de risco, ao estágio atual de desenvolvimento mercadológico e tecnológico do crowdfunding, que hoje se estrutura majoritariamente por meio de tokens em redes blockchain, utilizadas como infraestrutura de back-end para emissão, execução e gestão dos valores mobiliários ofertados, conferindo-lhes programabilidade, dinamismo e transparência.

  1. Principais Mudanças

Dentre as principais transformações sugeridas, destacam-se:

II.1. Ampliação dos Emissores

A minuta inclui de forma expressa as companhias securitizadoras registradas na CVM como emissores habilitados, positivando a possibilidade antes admitida apenas nos Ofícios-Circulares SSE nº 4 e 6/2023, de caráter orientativo e sem força normativa. O rol de emissores também foi ampliado, com a admissão de produtores rurais pessoas naturais e cooperativas agropecuárias, além de suprimir o limite de faturamento das sociedades empresárias não registradas.

II.2. Novos Limites de Captação

A proposta eleva de forma significativa os limites de captação anual, segmentando-os de acordo com a natureza e o porte de cada tipo de emissor:

  • R$ 25 milhões para sociedades empresárias e cooperativas agropecuárias
  • R$ 50 milhões para companhias securitizadoras
  • R$ 2,5 milhões por safra para produtores rurais

II.3. Regras de Investimento e Reinvestimento

O limite global de investimento de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), anteriormente aplicável ao investidor passa a ser calculado por plataforma, meramente para fins de simplificação de controle quanto ao referido montante, mitigando a possibilidade de desvios da norma por declarações falsas dos investidores. De outra parte, valores reinvestidos dentro do mesmo ano-calendário em decorrência de resgate, pagamento ou liquidação de investimentos não serão computados para efeito do limite anual, aprofundando a liquidez das ofertas.

II.4. Procedimentos de Oferta

A minuta introduz maior flexibilidade operacional ao ajustar as regras de lock-up, esclarecer os critérios para definição dos valores-alvo mínimo e máximo de captação e autorizar a emissão de lotes adicionais em ofertas específicas.

II.5. Integração com o Sistema Tradicional

Prevê-se a possibilidade de acordos comerciais de distribuição das ofertas de crowfunding nos canais tradicionais de distribuição – apenas por conta e ordem dos investidores – integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários, promovendo uma interface entre as plataformas de crowdfunding e a infraestrutura de mercado tradicional, ampliando a liquidez dos ativos.

II.6. Regras para Transações Subsequentes

Aprimora as transações subsequentes de valores mobiliários nas plataformas ao ampliar o universo de investidores aptos a participar desse ambiente, mediante a revisão do conceito de “investidor ativo”, e ao permitir que os emissores realizem a recompra de seus próprios valores mobiliários.

II.7. Transparência e Governança

A minuta apresenta um novo regime informacional, por meio da introdução de anexos específicos para cada tipo de emissor, determinação do conteúdo dos materiais publicitários e a divulgação de indicadores de desempenho das ofertas que permitam avaliar a atuação das plataformas, elevando o padrão de disclosure e reforçando a concepção de um ambiente regulatório proporcional aos riscos envolvidos.

  • Contribuições dos Participantes do Mercado

Os interessados — como players do mercado, entidades representativas, plataformas de crowdfunding, acadêmicos e demais membros da sociedade civil — poderão encaminhar comentários e sugestões até 23 de dezembro de 2025, por meio do e-mail: conpublicasdm0525@cvm.gov.br.

Trata-se de um momento estratégico de diálogo com a autarquia, pois as contribuições apresentadas terão potencial para moldar o desenho final do regime que disciplinará o mecanismo de crowdfunding nos próximos anos. Espera-se, em especial, que os agentes do setor de tokenização apresentem subsídios técnicos que contribuam para superar eventuais fricções entre a proposta regulatória e a própria lógica da tokenização, sobretudo diante do caráter programável e globalmente distribuído dos livros-razão que lhes servem de base.

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