Pedro Fida [1], Sócio de Bichara e Motta Advogados e Ex-Conselheiro do Tribunal Arbitral do Esporte (TAS-CAS)
Marcos Motta [2], Sócio de Bichara e Motta Advogados
*Capítulo publicado na coletânea Coleção Grandes Temas do Novo CPC, V. 9, Justiça Multiportas – Mediação, Arbitragem e outros meios de solução de conflitos, Editora JusPodium.
Há tempos se estuda e discute a mediação como eficiente mecanismo alternativo para solução de controvérsias nas mais variadas indústrias e áreas de conhecimento. As técnicas e teorias são diversas, mas as questões de mérito que permeiam esses processos de resolução de conflitos se repetem com uma frequência às vezes surpreendente.
Por vezes adeptos da mediação se deparam com questões comerciais, familiares, societárias, contratuais, dentre outras, envolvendo as mais variadas indústrias no âmbito nacional e internacional. Talvez uma indústria ainda pouco explorada pela mediação seja a dos esportes.
Apesar de existirem iniciativas internacionais para se popularizar a mediação no mundo esportivo, como se verá no decorrer deste artigo, nota-se que este mecanismo ainda sofre certa resistência entre os agentes que operam nesta peculiar indústria, em especial dos advogados.
Antes de se esmiuçar a estrutura e organização do Tribunal Arbitral do Esporte (Court of Arbitration for Sport ou Tribunal Arbitral du Sport – “TAS” na sua sigla em francês), em especial no tocante ao seu Centro de Mediação, buscar-se-á compreender alguns aspectos da indústria do esporte, a organização internacional dos esportes olímpicos e, principalmente, os tipos de conflitos mais recorrentes nessa indústria.
II. Esporte: uma complexa indústria
No decorrer dos últimos anos identifica-se claramente uma evolução nos mais diversos setores da economia que, conjuntamente, integram o que se pode denominar indústria do esporte. Setores como o de patrocínios, vestuário, direitos de transmissão, marketing, infraestrutura e principalmente as confederações, os clubes esportivos, intermediários e atletas formam uma rede de empresas, instituições e indivíduos que se interligam em torno de uma ou mais modalidades esportivas.
Cada esporte apresenta características específicas que impactam, ora mais ora menos, distintas regiões do mundo, atraindo os mais diversos públicos e, principalmente, investimentos financeiros em maior ou menor grau. É curioso notar que o grau de popularidade de um esporte pode ser medido principalmente por seu tempo de exposição nas emissoras de televisão, além de a cobertura dada pela imprensa, dentre outros fatores ligados à própria gestão e marketing de entidades de administração do desporto (confederações ou federações) e clubes para suas respectivas modalidades esportivas. Neste sentido, resta evidente que esportes como o futebol no Brasil e o futebol americano nos Estados Unidos correspondam a esportes altamente populares e com elevadas taxas de audiência televisiva.
III. Tipos de Conflitos Recorrentes nos Esportes
Analisando-se o desenvolvimento do direito desportivo no contexto internacional[3], bem como decisões da Justiça Desportiva brasileira e a sua competência para julgar conflitos de ordem disciplinar nas mais diversas modalidades desportivas[4], constata-se a recorrência de alguns tipos de conflitos, incluindo conflitos decorrentes de: (i) violação de regras proibitivas de condutas[5]; (ii) decisões de entidades de administração do desporto no tocante à aplicação de suas regras; (iii) confronto ou desentendimento entre participantes de uma entidade de administração desportiva; (iv) discussões de natureza comercial relacionadas ao desporto[6], dentre outras.
Diante desta realidade, as principais esferas de relacionamento no desporto que estão diariamente sujeitas a conflitos[7] envolvem os atletas, as entidades de administração de desportos (ex.: as confederações e federações), clubes, patrocinadores, agentes, grupos de mídia entre outros, podendo tais disputas serem dirimidas por mecanismos autocompositivos ou adjudicantes.
III.1. Conflitos Submetidos a Processos Adjudicantes
a) Regras Disciplinares
De modo geral, identificam-se controvérsias relacionadas à violação de regras disciplinares, cuja apreciação deve ser submetida a mecanismos adjudicantes, tais como os tribunais de justiça desportiva, se nacional, ou os órgãos de resolução de conflitos das mais diversas federações desportivas internationais, cabendo, em alguns casos, um último recurso de apelação ao Tribunal Arbitral do Esporte (TAS), já que por exigência das mais importantes federações desportivas internacionais, existe a opção de se apreciar os fatos e o mérito de decisões de primeira instância por meio da arbitragem desportiva[8].
b) Dopagem
No âmbito das violações disciplinares anteriormente descritas, é comum surgirem casos de dopagem nos mais diversos esportes, fruto de violações de regras disciplinares internacionais que vedam o uso de substâncias proibidas que possam de alguma forma aumentar a performance de atletas. Nestes casos, resta evidente a proibição de qualquer mecanismo de autocomposição para dirimir conflitos, pois a sanção disciplinar passa a ser obrigatória e resultado de um processo adjudicante, imposto pelo próprio sistema de combate ao doping conforme disposto no Código da Agência Mundial Antidopagem (WADA em sua sigla em inglês)[9].
c) Regras do Jogo
É comum, ainda, infrações em campo cometidas por atletas que violam regras de jogo durante os competições. Neste sentido, cabe destacar dentre outras infrações no rol do CBJD, aquelas de ordem moral e física cometidas contra outros atletas ou até mesmo árbitros e auxiliares[10]. Entretanto, nem toda violação, como por exemplo, faltas ou reversões, no caso do futebol, desencadeará na instauração de um processo disciplinar contra o atleta. Para cada modalidade esportiva existe uma gradação sobre as infrações que serão punidas em campo, no momento em que ocorreu, e aquelas que serão apuradas e decididas por meio de um processo disciplinar[11]. De qualquer modo, nestas hipóteses resta descartada qualquer possibilidade de se dirimir estes conflitos com métodos autocompositivos.
III.2. Conflitos Submetidos a Processos Autocompositivos
a) Decisões de Confederações referentes à Aplicação de suas Regras
Em paralelo aos conflitos detalhados anteriormente, destacam-se aqueles que podem resolvidos por meios autocompositivos, como a mediação. Neste sentido, é comum observar controvérsias que surgem a partir de decisões provenientes de entidades desportivas que geralmente acabam sendo contestadas por atletas em relação à maneira pela qual as regras da entidade são aplicadas.
Cumpre destacar que esses tipos de conflitos se originam a partir de questionamentos dos atletas sobre a forma como determinada entidade desportiva interpretou e aplicou uma norma em um caso específico. Portanto, descontentes, os atletas buscam nas próprias regras e normas, maneiras de contestar e até apelar de decisões para tentar reverter situações que lhe possam causar danos materiais e frequentemente morais[12]
b) Conflitos Envolvendo Membros de uma Confederação
Confederações desportivas geralmente possuem procedimentos internos e/ou órgãos específicos para dirimir controvérsias envolvendo dois ou mais membros em determinada modalidade esportiva. Neste caso, as entidades não são partes diretas no conflito, mas sim atuam como intermediadoras, disponibilizando regras internas para resolvê-los. A ideia principal deste mecanismo reside na resolução interna de disputas, de modo a evitar a sua resolução pelo judiciário.
Um exemplo comum deste tipo de conflito consiste em disputas relacionadas à transferência de jogadores. Neste caso, é comum que existam regras internas da entidade que permitam a solução dessas controvérsias, como é o caso do futebol, em que isto ocorre por imposição da própria FIFA[13]. Nestas situações, às vezes procedimentos adjudicantes podem não ser suficientes ou até mesmo recomendável, abrindo-se a possibilidade para a mediação.
c) Conflitos de Natureza Comercial relacionados ao Desporto
Por fim, nesta seara de conflitos[14] geralmente as partes envolvidas são atletas, entidades de administração do desporto (federações, confederações) e principalmente clubes desportivos, atores do mercado como promotores de eventos, patrocinadores, empresas voltadas ao ramo esportivo, donos de clubes ou times, organizadores, licenciadores e agentes dos mais variados tipos.
Tais controvérsias geralmente têm por base relações contratuais que envolvem diversos temas de direito privado, como por exemplo, questões relacionadas à propriedade intelectual, ao patrocínio de um atleta por uma marca, à concessão de direitos de transmissão de jogos e eventos, à negociação de um atleta para integrar um time profissional, entre outros. Geralmente, esses contratos se pautam pela vontade das partes, sendo livremente negociados, sem a imposição de ninguém, possuindo frequentemente cláusulas de resolução de conflitos prevendo mecanismos alternativos como a mediação arbitragem, negociação ou outros mecanismo híbridos.
IV. Mediação nos Esportes
A mediação, como se sabe, envolve a submissão de um conflito a um terceiro imparcial, o mediador, que tenta auxiliar as partes a negociarem um acordo para a controvérsia em questão. Geralmente, as sessões de mediação são confidenciais e não são um empecilho para futura tentativa de acordo via judiciário ou arbitragem. Além disso, ao contrário do que se observa em processos judiciais e arbitrais, o mediador não necessariamente deve conhecer profundamente os argumentos de direito da disputa, bem como precisar de depoimentos de testemunhas para que facilite um acordo entre as partes. O mediador ora realiza reuniões informais e privadas com as partes envolvidas em uma controvérsia, ora com apenas uma delas, visando sempre facilitar o diálogo e um acordo, por meio de um contínuo esforço para se encontrar pontos de convergência entre os interesses das partes.
A mediação se enquadra em uma modalidade de autocomposição, mais especificamente a autocomposição induzida, como leciona Cândido Rangel Dinamarco[15], sendo “aquela a que se chega mediante a intercessão de uma terceira pessoa, dita conciliador ou mediador”. Desta forma, o mediador não decide um litígio e nunca impõe decisão ou qualquer condição às partes. Ao contrário, cabe às partes adotarem uma solução e atingirem um acordo que as vinculem.
O papel do mediador é partir dos interesses das partes para alcançar uma solução conjunta e em um curto prazo para o conflito, de modo que ambas as partes estejam satisfeitas com o resultado.
Ao se analisar o procedimento comumente praticado no Brasil, ele é subdividido em duas fases: a pré-mediação e a mediação. O primeiro consiste em uma espécie de entrevista encabeçada por um “pré-mediador”, que deverá esclarecer às partes detalhes a respeito do procedimento da mediação, seus benefícios, bem como lidará com as expectativas das partes em relação ao procedimento. Além disso, as partes deverão expor ao pré-mediador a controvérsia, suas expectativas, esclarecer dúvidas sobre o regulamento e assinar o termo de mediação.
O termo é muito importante para que sirva de guia em caso de dúvidas ou se façam necessários esclarecimentos, além de ser um contrato assinado pelas partes, demonstrando consentimento e compreensão do processo a que se submeterão. Seu conteúdo geralmente abarca a agenda de trabalho, as normas e procedimento, o sigilo, o lugar, idioma da mediação, os custos, entre outros.
Este primeiro momento é muito importante para que se reduzam as tensões entre as partes e possam iniciar a mediação de forma mais natural e colaborativa. Vale ressaltar que o pré-mediador e mediador são funções exercidas por pessoas distintas. Além disso, o mediador deve ser preferencialmente um profissional habilitado para tal função, tendo realizado os cursos de capacitação, bem como ter as horas necessárias para poder mediar conflitos.
Em relação à mediação propriamente dita, ela se desenvolve assim que a pré-mediação finaliza, sendo neste momento que a controvérsia passa a ser tocada a fundo pelas partes e o mediador. Assim, geralmente partindo dos interesses mútuos das partes, objetiva-se alcançar uma solução conjunta para o problema em questão. Como resultado do processo, quando as partes atingem um acordo, é de costume firmá-lo, ajustando os pontos pacíficos entre as partes.
No contexto do desporto, observa-se uma grande aceitação da mediação pelas federações e organizações de administração do desporto internacionais, existindo a previsão deste mecanismo de solução de conflitos em diversos estatutos[16].
De modo a ilustrar o panorama da previsão de mediação e arbitragem em estatutos de entidades internacionais de administração do desporto, é importante mencionar o resultado de uma pesquisa informal realizada em 2001 por Robert Siekmann[17], Diretor do Projeto sobre Direito Desportivo Internacional do TCM Asser Institute, em Haia, Holanda. Siekmann, por meio de um questionário enviado a diversas federações internacionais e nacionais, indagou esses organismos sobre a utilização da mediação em seus respectivos desportos.
Constatou-se que maioria desses órgãos não possuía qualquer previsão sobre mediação no desporto, mas alguns previam ou já haviam utilizado as regras de arbitragem e mediação do TAS.
Como exemplo dos órgãos que previam a mediação, estava a Federação Internacional de Lutas Associadas (International Federation of Associated Wrestling Styles, FILA na sua sigla em inglês), cujo estatuto determina o seguinte:
“In the event of a Sport dispute with a National Federation or an athlete, it is the CAS who is in charge of the mediation and of the arbitration, if necessary” [18]
Outro exemplo favorável à mediação consiste na Federação Francesa de Vela (FFV)[19], que prevê este mecanismo como prioritário para se dirimir quaisquer controvérsias. A FFV recomenda o uso da mediação em diversas situações para se reduzir conflitos, já que a instituição reconhece os benefícios da mediação, tais como a rapidez e a possibilidade de se obter uma solução mais consensual.
Outra organização que adotou mecanismos alternativos de solução de controvérsias foi o Comitê Olímpico Italiano (Comitato Olímpico Nazionale Italiano – CONI em sua sigla em italiano), que criou uma câmara de mediação e arbitragem para o esporte (Camera di Conciliazione e Arbitrato per lo Sport). Neste sentido, o artigo 3.5. do regulamento da referida Câmara prevê a obrigatoriedade de as partes se submeterem primeiramente à conciliação antes de submeter a controvérsia à arbitragem.
Como exemplo de que a mediação e mecanismos alternativos de resolução de conflitos podem ser aplicados no contexto desportivo e se obter resultados satisfatórios, confira-se abaixo uma breve relação de casos que já foram resolvidos por serviços fornecidos pelo Centre for Effective Dispute Resolution – CEDR nos últimos anos[20]:
Ainda, citando-se exemplos bem-sucedidos de casos envolvendo a mediação nos desportos, vale mencionar alguns acordos mediados pelo ADR Group nos últimos anos[21]:
Como se pode observar, a mediação se mostrou eficiente em diversas ocasiões para solucionar controvérsias no âmbito do desporto. Naturalmente não será sempre que a mediação funcionará ou consistirá no mecanismo mais adequado, mas experiências internacionais como do CEDR e ADR Group deixam claro que muitos temas podem ser resolvidos por meio de meios alternativos de solução de controvérsias.
IV.1. Estudo de caso: Woodhall v. Warren
De modo geral, pode-se dizer que a mediação teve uma melhora considerável em sua imagem no contexto desportivo após o emblemático caso internacional envolvendo Woodhall[22], um boxeador profissional, e de outro lado Frank Warren, agente desportivo dono de uma empresa de promoção e representação de atletas.
No caso em questão, ambos assinaram contratos prevendo exclusividade para os dois lados, em que Warren representaria apenas Woodhall e Woodhall lutaria somente para Warren. Entretanto, em 1991, Woodhall cogitou rescindir os contratos que possuía com o agente, alegando que (i) Warren inadimpliu os contratos e, portanto, (ii) não poderiam ser executados.
Ao que tudo indica, Woodhall teria lutado em um último episódio sob o comando de Warren e, em seguida, começou a sondar outros agentes. Warren, por outro lado, alegou não ter infringido qualquer cláusula dos contratos e buscou impedir a rescisão pleiteada por Woodhall. Entretanto, o boxeador protocolou uma ação, junto à Federação Mundial de Boxe, alegando que ele não estava vinculado aos referidos contratos; mas o tempo corria contra ele, pois em três meses Woodhall teria que disputar o título mundial em sua categoria. Cumpre destacar que os contratos continham cláusula arbitral prevendo sua administração pela British Boxing Board of Control.
Obviamente as partes se viram diante de custos elevados e, em especial, de um processo moroso, que provavelmente perduraria além da data avençada para a disputa do título por Woodhall. Assim, ambos concordaram em se submeter à mediação, que foi conduzida pela renomada instituição Centre for Effective Dispute Resolution – CEDR e em menos de dois dias a controvérsia foi resolvida. O acordo final consistiu na assinatura de um novo contrato entre Woodhall e Warren, permitindo a preservação do relacionamento que possuíam.
IV.2. Vantagens da Mediação nos Esportes: Aspectos Gerais
a) Manutenção de Relacionamentos
A maior vantagem da mediação frente a processos adjudicantes consiste no poder de manutenção do relacionamento entre as partes, sem que uma controvérsia coloque fim a um relacionamento duradouro.
A este respeito, ressalta-se que o esporte é um nicho que envolve muitas relações pessoais, como relacionamentos entre atleta-agente, atleta-patrocinador, clube-atleta, dirigente de clube-atleta, entre outros. Dado isto, é importante prezar pela manutenção de vínculos, de modo a não fragilizar relações por conta de rupturas ou desgastes contratuais.
Assim, a mediação atende perfeitamente às demandas da indústria esportiva, como a preservação de relacionamentos, algo crucial em um mercado tão restrito a poucos – e recorrentes – atores, vide o exemplo do futebol em que poucos intermediários e agentes movimentam milhões em transferências de diversos jogadores a cada ano.
b) Confidencialidade
Além disso, tendo em vista a natureza confidencial da mediação, isto permite que atores da indústria desportiva discutam suas controvérsias com transparência e liberdade, sem que tais informações sejam utilizadas em procedimentos arbitrais ou até mesmo judiciais. Com o auxílio de um mediador e a garantia de confidencialidade, as partes tendem a discutir opções criativas para a solução de conflitos sem tantos entraves, permitindo-se que a discussão flua e um consenso seja atingido.
c) Custos e Tempo
Como se pode imaginar, os custos com um procedimento de mediação passam a ser reduzidos frente às custas processuais de procedimentos judiciais ou arbitrais, afora os honorários advocatícios. Como bem demonstrou o exemplo do caso Woodhall v. Warren, uma mediação bem executada – tanto pelo mediador como pelas partes e seus advogados – pode trazer grandes benefícios a todas as partes envolvidas, especialmente do ponto de vista financeiro, dada a economia de tempo e dinheiro que se pode obter.
V. Tribunal Arbitral do Esporte (“TAS”): Estrutura e Funcionamento
O Tribunal Arbitral do Esporte foi criado com o intuito de afastar da justiça comum as disputas internacionais relacionadas ao esporte e criar um foro altamente especializado onde controvérsias pudessem ser resolvidas de forma célere, eficiente, barata e flexível[23]. Além disso, considerando a dinâmica evolução no esporte de alto rendimento, tanto sob o aspecto das regras ou mesmo os aspectos mercadológicos que o torneiam, o TAS surgiu como uma instituição dinâmica, eficiente e capaz de absorver e solucionar as mais diversas demandas relacionadas ao mundo desportivo.
Desde sua criação, em 1984, o TAS vem adquirindo prestígio e o reconhecimento da comunidade esportiva internacional, especialmente do Comitê Olímpico Internacional, e hoje é reconhecido como a última instância de apelação para partes envolvidas em diversas disputas relacionadas ao desporto, sejam relacionadas aos esportes olímpicos, não olímpicos ou controvérsias de caráter meramente comercial, mas que possuam algum vínculo com o desporto.
O TAS presta serviços de resolução de conflitos envolvendo atletas, clubes, agentes, federações, instituições esportivas, patrocinadores, empresas no geral e a uma série de entidades envolvidas com o desporto, sempre zelando por procedimentos eficazes, com baixos custos e visando uma solução final célere às centenas de disputas que administra anualmente[24].
De modo geral, o TAS atua como uma câmara internacional de arbitragem e mediação, cujo objetivo principal é dirimir controvérsias entre atores dos universos desportivo e olímpico.
No âmbito arbitral, o TAS possui uma estrutura bicameral, dividindo-se entre a Divisão de Arbitragem Ordinária e a Divisão de Arbitragem de Apelação. A primeira se encarrega de procedimentos arbitrais de única instância e de natureza comercial relacionados a esportes, cuja origem se encontra na cláusula compromissória geralmente acordada em um contrato entre duas ou mais partes. Já a Divisão de Arbitragem de Apelação lida com procedimentos arbitrais em caráter recursal, resultantes de uma decisão já proferida por um órgão desportivo, cujo conteúdo poderá ser confirmado, reformado ou mesmo anulado pelo TAS.
Além de administrar procedimentos arbitrais, o TAS se destaca como uma das instituições pioneiras ao possuir um centro de mediação dedicado exclusivamente a disputas no campo desportivo, como se observará a seguir.
VI. Mediação no TAS
Qualquer pessoa, sendo esta física ou jurídica poderá submeter uma questão à mediação do TAS, desde que as partes convencionem por escrito. Geralmente, este acordo poderá ser na forma de uma cláusula de mediação inserida em um contrato ou até mesmo um acordo de mediação assinado entre as partes.
Apesar de sua inauguração em 1985, apenas em 1999 a mediação foi introduzida no TAS, sendo regida pelo Regulamento de Mediação do TAS (“Regulamento de Mediação”)[25] e pelas Diretrizes de Mediação do TAS[26], cuja essência está transcrita no Artigo 1o do Regulamento de Mediação:
Artigo 1o, § 1o – Regulamento de Mediação do TAS
“A Mediação no TAS é um procedimento não vinculativo e informal, baseado em um acordo de mediação em que cada parte se compromete a agir com boa-fé na tentativa de negociar com a outra parte, e com a assistência de um mediador do TAS, objetivando a resolução de uma disputa relacionada ao esporte.
Em princípio, a Mediação TAS é oferecida para a resolução de disputas derivadas de procedimentos arbitrais em trâmite perante a Divisão de Arbitragem Ordinária do TAS. Controvérsias relacionadas a questões disciplinares, como dopagem, match-fixing e corrupção, são excluídas da Mediação TAS. Entretanto, em alguns casos cujas circunstâncias exijam e as partes estejam de acordo, controvérsias relacionadas a outras questões disciplinares poderão ser dirimidas por meio da Mediação TAS.” [27]
Recentemente, em 2013, o TAS passou por um processo de modernização de sua prática de mediação, que consistiu na revisão de seu regulamento, diretrizes e lista de mediadores, muito em razão da necessidade de se adaptar às realidades e necessidades do mercado esportivo, cada vez mais aberto para este mecanismo.
Analisando-se os pormenores do Regulamento de Mediação, para se iniciar um procedimento de mediação perante o TAS, a parte interessada deve protocolar um requerimento de mediação, fornecendo os dados gerais sobre a controvérsia. Tão logo seja iniciado o procedimento de mediação, o Secretariado do TAS estabelecerá prazos processuais chave para a sua condução, além de estipular as custas administrativas aplicáveis.
As partes podem escolher livremente e de comum acordo o mediador a partir de uma lista fechada, mas havendo divergência a nomeação caberá ao Presidente do Conselho Internacional de Arbitragem no Esporte (“ICAS”), órgão supremo do TAS com funções semelhantes a de um conselho de administração.
Os mediadores no TAS assumem, como de praxe em outras instituições, o compromisso de disponibilidade de tempo para conduzir as sessões necessárias de mediação, além da imparcialidade e independência, sendo necessário expor todo e qualquer fato que possa colocar sob dúvida sua independência em relação a qualquer das partes. Na hipótese de impedimento ou conflito de interesses por parte de um mediador, este deverá se abster de conduzir a mediação e informar tal fato imediatamente ao Presidente do ICAS, quem permitirá uma nova nomeação pelas partes.
Uma vez nomeado o mediador, as partes poderão decidir pela forma de condução do processo de mediação e, caso não consigam defini-la, o mediador deverá determina-la juntamente ao Secretariado do TAS. De qualquer modo, o mediador determinará o calendário do procedimento, bem como o escopo dos breves memoriais que as partes poderão apresentar previamente à sessão de mediação, tais como um resumo dos fatos, do direito, incluindo-se uma relação dos principais pontos controvertidos aos olhos de cada parte.
Ressalta-se que na Mediação TAS, o mediador é encorajado a ter uma função mais ativa, no sentido de não apenas identificar as questões sob disputa e facilitar a discussão entre as partes, mas principalmente de propor e sugerir soluções às partes envolvidas.
Ainda, a confidencialidade é uma característica presente na mediação do TAS, prevista no próprio Regulamento TAS[28], devendo as partes se absterem de utilizar em qualquer processo arbitral ou judicial, toda e qualquer informação, dado ou prova obtido durante as sessões de mediação.
Caso as partes cheguem a um acordo definitivo, este deverá ser redigido pelo mediador e assinado pelas partes. Na hipótese de as partes não atingirem um acordo amigável por meio da mediação, nada impede que se instaure um procedimento arbitral ordinário junto ao próprio TAS para dirimir a controvérsia, desde que exista uma cláusula compromissória ou compromisso arbitral entre as partes.
É comum ainda que partes iniciem um procedimento arbitral junto ao TAS e, no decorrer da arbitragem, solicitem a suspensão da mesma para que se possa iniciar uma mediação. Caso a mediação não seja bem-sucedida nada impede que o procedimento arbitral seja retomado e um laudo arbitral seja então proferido.
Como mencionado no início deste capítulo, existem dois tipos de disputas comumente submetidas ao TAS: as de natureza disciplinar e as de natureza comercial ou contratual. As disputas envolvendo questões disciplinares são de competência da arbitragem, não podendo ser resolvidas através da mediação, uma vez que os resultados destas disputas afetam não apenas as partes, como também terceiros, como seleções, confederações, times e até mesmo campeonatos nacionais e internacionais, além de haver a imposição de sanções à parte infratora.
Já as disputas de natureza comercial e contratual, são aquelas que geralmente estão relacionadas a direitos disponíveis e à execução de contratos comerciais, e que por afetarem apenas o direito disponível de cada parte do contrato, podem ser solucionadas através da mediação.
VII. Conclusão
De modo geral, os meios alternativos de resolução de controvérsias se apresentam como eficazes mecanismos que permitem maior flexibilidade e controle pelas partes, preservando-se a autonomia das mesmas na forma de conduzir seus conflitos e maior eficiência na solução de disputas.
Como visto anteriormente, a indústria dos esportes possui peculiaridades e complexidades a nível nacional e internacional, que a tornam diferenciada e apta a se beneficiar das vantagens da mediação, tais como a confidencialidade e a preservação de relacionamentos.
No âmbito da mediação internacional o TAS se destaca como relevante câmara de resolução de conflitos e presta serviços de mediação no mundo dos esportes, possuindo um regulamento específico e diretrizes especiais para a mediação. Recentemente, seu regulamento passou por uma reforma, bem como sua lista de mediadores foi parcialmente renovada, de modo a se adaptar às necessidades do mercado e às peculiaridades deste mecanismo de solução de controvérsias, mostrando a preocupação do TAS com a modernização do instituto e atendimento aos usuários.
Assim como no Brasil, a mediação está se desenvolvendo e aprimorando na indústria do esporte, sendo ainda pouco utilizada diante da complexidade de assuntos e conflitos que são tratados rotineiramente pelos atores do mercado. A perspectiva de crescimento é notória, e o esporte, por se tratar de um dos mais mobilizadores e midiáticos ativos de todas as sociedades, concentrando demandas em caráter de urgência na maioria dos casos, oferece potencial para atuar como um dos principais catalizadores e promotores de sucesso deste mecanismo de resolução alternativa de disputa em todo o mundo.
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[1] Pedro Fida é Advogado (Brasil e Portugal), Sócio de Bichara e Motta Advogados e Ex-Conselheiro do Tribunal Arbitral do Esporte (TAS-CAS).
[2] Marcos Motta é Advogado e Sócio de Bichara e Motta Advogados.
Bibliografia:
[3] LEWIS, Adam; TAYLOR Jonathan. Sport: Law and Practice, 2a Edição, Wilts: Ed. Butterworths Lexis Nexis, 2003. p.167.
[4] Vide disposições do Código Brasileiro de Justiça Desportiva – CBJD.
[5] Confira-se a decisão CD/STJD – 001/2005 no âmbito do ciclismo, em que o atleta manifestou-se de forma desrespeitosa e ofensiva, infringindo o disposto no Artigo 188 (manifestação desrespeitosa ou ofensiva contra membro do Conselho Nacional de Esporte) do CBJD.
[6] Confira-se a decisão do Procedimento Arbitral CAS 2008/A/1644 M. v. Chelsea Football Club Ltd., de 31 de julho de 2009, em que se discute a ocorrência de inadimplemento contratual por parte de um jogador.
[7] Cf. BLACKSHAW, Ian. Mediating Sports Disputes: National and International Perspectives. 1a Edição, Haia: T.M.C. Asser Press, 2002. p. 80.
[8] Exemplo no caso do atletismo: conforme artigo 64, §3o, do Estatuto da Confederação Brasileira de Atletismo, os atletas podem apelar para o TAS de quaisquer decisões da Comissão de Revisão de Dopagem, da IAAF ou do STJD.
[9] Código Mundial Antidopagem, Edição 2015. Último acesso em novembro de 2015: https://www.wada-ama.org/en/resources/the-code/world-anti-doping-code
[10] Vide o processo 75/2010 do STJD, de sua 4a Comissão Disciplinar, envolvendo o jogo entre Botafogo FC (SP) X CENE (MS) categoria profissional, realizado em 22 de agosto de 2010 – Campeonato Brasileiro – Serie D, em que foram denunciados Wenderson Antoniazzi Pereira, atleta do CENE, incurso no Art. 258 § 2º do CBJD; Márcio José Cerino, atleta do CENE, incurso no Art. 250 do CBJD. Como resultado, por unanimidade de votos, suspendeu-se o atleta Wanderson Antoniazzi Pereira, por 02 partidas, por infração ao Art.258, §2º do CBJD (desrespeitar os membros da equipe de arbitragem) e o atleta Márcio José Cerino, por 01 partida, por infração ao Art.250 do CBJD (Praticar ato desleal ou hostil durante a partida, prova ou equivalente).
[11] LEWIS, Adam e TAYLOR, Jonathan. Sport: Law and Practice, Ed. Butterworths Lexis Nexis, Wilts, 2003.
[12] Confira-se os seguintes procedimentos arbitrais, que em suma analisam a eligibilidade de alguns jogadores nos Jogos Olímpicos de Beijing em 2008, que estão vinculados a clubes de futebol e, portanto, dependem de suas respectivas autorizações: CAS 2008/A/1622 FC Schalke 04 v. Fédération Internationale de Football Association (FIFA); CAS 2008/A/1623 SV Werder Bremen v. Fédération Internationale de Football Association (FIFA); e CAS 2008/A/1624 FC Barcelona v. Fédération Internationale de Football Association (FIFA).
[13] Por imposição da FIFA, todos os membros que tiverem qualquer controvérsia relacionada à transferência de jogadores, deverá submetê-la à “Dispute Resolution Chamber” (DRC), órgão de solução de controvérsias da FIFA.
[14] PAULSSON, Jan. Arbitration in International Sport Disputes. Arbitration International, Kluwer Law International, Ed. 09, v. 4, pp. 359-369, 1993.
[15] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros Ed., 2002. v.1. pp.124-125.
[16] Como exemplo da vasta utilização da mediação no contexto desportivo internacional, confira-se o seguinte dispositivo do estatuto da International Federation of Associated Wrestling Styles (FILA):
“Na ocorrência de controvérsias desportivas envolvendo a Federação Nacional ou um atleta, a Corte de Arbitragem do Esporte (CAS) será a responsável por conduzir a mediação ou arbitragem, se necessário for.”
[17] Cf. BLACKSHAW, Ian S.. Mediating Sports Disputes: National and International Perspectives, cit., p. 169-170.
[18] Tradução livre para o português: “Caso surja uma disputa com uma federação nacional ou um atleta, será encarregado da mediação e da arbitragem, se necessário”.
[19] Fédération Française de Voile (FFV) – http://www.ffvoile.fr/ffv/web/.
[20] Cf. BLACKSHAW, Ian S.. Mediating Sports Disputes: National and International Perspectives, cit., p. 183.
[21] Cf. BLACKSHAW, Ian S.. Mediating Sports Disputes: National and International Perspectives, cit., p. 184.
[22] BLACKSHAW, Ian. Mediating Sports Disputes: National and International Perspectives. 1a Edição, Haia: T.M.C. Asser Press, 2002. p.182.
[23] Reilly, Louise, An Introduction to the Court of Arbitration for Sport (CAS) & the Role of National Courts in International Sports Disputes, J. Disp. Resol. 63 (2012).
[24] FIDA, Pedro. Resolução de Disputas no Esporte: o Tribunal Arbitral do Esporte (TAS). In: TIMM, Luciano; MOSER, Luiz Gustavo (Orgs.). Arbitragem e Mediação – Em Propriedade Intelectual, Esportes e Entretenimento. Curitiba: Appris, 2014.
[25] Regulamento de Mediação do TAS, Edição de setembro de 2013 (CAS Mediation Rules), disponível em www.tas-cas.org.
[26] Diretrizes de Mediação do TAS, Edição de setembro de 2013 (CAS Mediation Guidelines), disponível em www.tas-cas.org/guideline.
[27] Regulamento de Mediação TAS – Artigo 1o:
“CAS mediation is a non-binding and informal procedure, based on an agreement to mediate in which each party undertakes to attempt in good faith to negotiate with the other party with a view to settling a sports-related dispute. The parties are assisted in their negotiations by a CAS mediator.
In principle, CAS mediation is provided for the resolution of disputes submitted to the CAS ordinary arbitration procedure. Disputes related to disciplinary matters, such as doping issues, match-fixing and corruption, are excluded from CAS mediation. However, in certain cases, where the circumstances so require and the parties expressly agree, disputes related to other disciplinary matters may be submitted to CAS mediation.”
[28] Regulamento de Mediação TAS (Confidencialidade) Artigo 10:
“[…] Any information given by one party may be disclosed by the mediator to the other party only with the consent of the former.
No record of any kind shall be made of the meetings.
Unless required to do so by applicable law and in the absence of any agreement of the parties to the contrary, the parties shall not rely on, or introduce as evidence in any arbitral or judicial proceedings: